Após negociações que se estenderam por mais de seis meses em 2013, o fim da cobrança do Diferencial de Alíquota (Difa) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre produtos interestaduais no Rio Grande do Sul ainda não é um assunto encerrado. Os impasses entre governo do Estado e Assembleia Legislativa, mesmo após a aprovação e homologação das mudanças na Lei do ICMS, seguem suscitando dúvidas sobre que atitudes tomar.
Em meio às muitas questões, estão os micro e pequenos empresários optantes pelo Simples Nacional e, consequentemente, os contadores, responsáveis por encontrar uma forma de proteger as empresas. Assim, as duas melhores hipóteses para evitar o endividamento junto ao fisco e sua consequência mais temida – a exoneração da lista de empresas enquadradas no regime – são a manutenção do pagamento do Difa normalmente ou a realização de depósitos judiciais.
A orientação da Secretaria da Fazenda (Sefaz) é continuar o recolhimento do tributo nos prazos legais, evitando prejuízos para o empresário (como já ocorreu anteriormente). O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul (Sebrae/RS) e da Federação das Câmaras dos Dirigentes Lojistas (FCDL), Vitor Koch, afirma que as entidades desejam, assim como todos os varejistas, o fim da cobrança do imposto de fronteira, mas lembra que as empresas não podem se colocar em uma situação de risco. “Eu, por exemplo, vou continuar pagando e, caso a matéria seja aprovada, vou recorrer na tentativa de reaver esse valor.”
Já aqueles que querem ter mais segurança de que terão o valor de volta ao caixa da empresa podem recorrer ao depósito judicial. Para isso, deve-se entrar com uma ação na justiça pedindo autorização para fazer o pagamento em juízo, através de guia. Essa é a única maneira de garantir que o valor não será perdido, explica a coordenadora da assessoria tributária da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio/RS), Tatiane Correa.
Para ela, a Lei 14.436, sancionada no mês passado pelo presidente da Assembleia Legislativa, Pedro Westphalen, e que incluiu na Lei do ICMS o fim da cobrança do Difa de 5% sobre a compra de produtos de outros estados para as MPEs, é válida e constitucional, ao contrário do que o Executivo estadual alega. Porém, nesse momento de insegurança jurídica, é preciso cautela. “Aquelas empresas que forem autuadas correm o risco de serem obrigadas a pagar multas e juros e, o pior, de serem excluídas do Simples, por isso, orientamos os contadores de todo o Estado a procurarem auxílio”, sugere.
“Os contadores não podem cair na armadilha do governo do Estado e da Assembleia Legislativa”, adverte a conselheira do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS) e técnica em contabilidade Marice Fronchetti.
Depósito judicial é uma das saídas para quem deseja reaver o valor pago
Os optantes pelo Simples Nacional devem entregar a Guia de Informação Nacional do Simples Nacional (GIA-SN) mensalmente, sob pena de perder a inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Estado (CGC/TE), dentre outras implicações, e automaticamente são remetidos para a emissão da guia de arrecadação. No caso de efetuar depósitos judiciais, a GIA-SN é preenchida e é informado, em um campo específico para informações adicionais, que será realizado o pagamento em juízo. Logo, deve ser entregue a GIA-SN, apesar do pagamento do Difa não ser realizado através da guia de arrecadação.
Segundo Marice Fronchetti, conselheira do CRCRS, antes da discussão no poder legislativo, a justiça não costumava contemplar os contribuintes em pleitos com o Estado. Mas o amplo debate em torno do assunto e a aprovação da matéria na AL fez com que mais empresas ganhassem o direito ao depósito judicial, até porque o impasse em torno do assunto promete se arrastar por um longo período.
Já o contador Carlos Guimarães, do município de São Borja, no interior do Estado, discorda e enfatiza que, em questões tributárias, a razão normalmente é dada ao órgão arrecadador. Segundo Guimarães, entidades locais realizaram palestras nas cidades aconselhando que fosse feita denúncia e requisitada a permissão para o pagamento em juízo. “Mas os meus clientes não quiseram entrar na justiça e estão pagando normalmente”, revela o contador.
A contrapartida do governo estadual para amenizar as perdas empresariais foi o lançamento, em outubro, do programa Em Dia, oportunidade para pôr as contas com o fisco em ordem e negociar o pagamento parcelado. O prazo para aderir ao programa era até o dia 31 de janeiro, e, segundo Tonollier, aqueles que não se regularizaram “perderam o benefício de 100% de anistia da multa, 40% dos juros, e a possibilidade de parcelar em 120 vezes o valor devido”.
A Fazenda estadual é categórica ao afirmar que quem tiver débitos será lançado em dívida ativa e que não há possibilidade de novas anistias neste ano, em razão da lei eleitoral. Ao que tudo indica, apenas uma decisão judicial poderá pôr fim à disputa. Aqueles que tiverem dívidas podem esperar a resolução do imbróglio, mas, para garantir que não terão de fechar as portas, uma boa medida é procurar um profissional contábil e se preparar para acertar as contas com o fisco mais tarde.
Fim do diferencial de alíquota do ICMS gaúcho divide opiniões
A cobrança do chamado imposto de fronteira no Estado teve início em 2009, ainda durante o mandato da ex-governadora Yeda Crusius. Incidindo sobre todos os produtos provenientes de fora do Estado, o imposto pode ser abatido pelos integrantes da categoria geral, pesando mais sobre os optantes do Simples Nacional, impossibilitados de fazer o abatimento.
O Rio Grande do Sul tem mais de 392 mil empresas optantes pelo regime simplificado, responsáveis pela geração de aproximadamente 600 mil empregos formais (conforme dados do Sebrae/RS). Segundo os varejistas, esses negócios correm o risco de fechar as portas devido à alta carga tributária e à falta de proteção do Estado ou recorrerem à informalidade.
O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, defende que a lei aprovada na AL não tem qualquer efeito sobre a obrigação de recolhimento do Difa na entrada de produtos de fora do Estado. “Uma eventual renúncia de cobrar essa diferença teria fortes efeitos na economia gaúcha, em especial nas micro e pequenas indústrias. Haveria também perdas progressivas na arrecadação com efeito orçamentário, inclusive, para os municípios”, afirmou Tonollier. Conforme dados da Secretaria da Fazenda, em 2013 a arrecadação do imposto de fronteira chegou a R$ 224 milhões, representando crescimento de 43,2% sobre o ano anterior.
No outro extremo estão os defensores da extinção do imposto de fronteira reunidos no grupo Chega de Mordida! — composto por Câmaras dos Dirigentes Lojistas (CDLs), Federação do Comércio de Bens e Serviços (Fecomércio), Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV) e Federação das Associações Comerciais e de Serviços (Federasul). O movimento alega que o valor resultante da arrecadação do DIFA é ínfimo ante o total da receita estadual, mas muito alto para os pequenos negociantes.
Para o presidente da CDL Porto Alegre, Gustavo Schifino, o imposto já não existe e não há amparo legal para a Sefaz continuar exigindo seu pagamento. “O governo do Estado usa um momento de conflito para que alguns continuem pagando o tributo. Os contadores, nesse caso, estão tendo que escolher entre ser julgado e responsabilizado ou pagar por algo que não deveria”, avisa Schifino, acrescentando que o comportamento do governo tem sido antidemocrático.
Empresas relativizam as vantagens obtidas com o Simples Nacional
Devido às dificuldades em torno de um regime que deveria simplificar a vida dos contribuintes, os contadores começam até mesmo a relativizar se o Simples Nacional é a melhor opção para empresas no Rio Grande do Sul. De acordo com a legislação tributária, as microempresas, com receita bruta anual de até R$ 240 mil, e empresas de pequeno porte, com receita bruta anual de até R$ 2,4 milhões, podem integrar o modelo, mas contadores avisam que a opção pelo Simples deve envolver uma análise mais profunda, além do faturamento empresarial.
A técnica em contabilidade Marice Fronchetti avisa que é preciso colocar anualmente o balanço empresarial na ponta do lápis e analisar se adquire muita mercadoria de fora do Estado e quanto tem de pagar em Difa. “Faço simulações todos os anos com meus clientes, e cinco em cada seis estão abandonando o Simples”, revela Marice.
Como o Simples Nacional permite o não recolhimento direto ao INSS, que pode representar até 40% da folha de pagamento, especialistas recomendam que se adote o modelo apenas se a empresa tiver gastos altos com empregados.
O contador Carlos Guimarães defende que o Simples ainda é o melhor regime para aqueles que estão começando, mas concorda que “é preciso olhar cada peculiaridade das organizações para tomar a decisão do modelo ideal”.
“O melhor é aproveitar este ano para analisar se o Simples foi o melhor regime de acordo com o perfil empresarial e talvez mudar no ano que vem”, diz Marice. “O brasileiro precisa investir mais na gestão e na análise constante dos métodos para tirar proveito das opções dadas pelo fisco”, sugere.
Fonte: Jornal do Comércio/RS