Afora a ilegalidade, o procedimento é um tremendo tiro no pé dos interesses da própria municipalidade
Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há municípios que perseguem as micro e pequenas empresas de forma ilegal.
Tanto indeferem a opção ao Simples Nacional quando do início das atividades da empresa, como excluem outras já em atividade. No primeiro caso, pela ausência de alvará de funcionamento, no segundo, pela falta de sua renovação.
Ambos geram arrecadação pela necessidade de recolhimento de taxas, o que pode explicar o procedimento como forma de cobrança indireta.
Como a exclusão do regime diferenciado e favorecido na maioria dos casos significa o fim das atividades da empresa. Afora a ilegalidade, o procedimento é um tremendo tiro no pé dos interesses da própria municipalidade.
Basta ver quanto a esse ponto alguns dados. O número de empreendedores no Brasil chegou a 27,6 milhões em dezembro de 2017, incluídos os informais, segundo a PNAD-IBGE.
Enquanto isso, o número de empregados formais é de 33,3 milhões. Os empreendedores são, portanto, 30% dos que exercem alguma atividade produtiva de um total de 92,1 milhões, indicando a evolução da sua representatividade em relação ao emprego e para a criação de renda e trabalho para todos. Só os optantes do Simples Nacional eram 12,7 milhões nessa mesma data.
Segundo esses municípios, a ausência de alvará de funcionamento ou a falta de sua renovação, leia-se mero recolhimento de taxa se nenhuma alteração fática ocorreu, equivale a irregularidade fiscal cadastral, que é prevista na LC 123 como impedimento para a opção ou manutenção no Simples.
Ocorre, todavia, como vem reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2016, que não há relação entre cadastro fiscal, relativo ao ISS, e eventual irregularidade no licenciamento de atividade.
Há mais ainda. Desde 2014, o licenciamento é a última etapa do processo de formalização de empresas, como estabelece a nova redação da LC 123, dada pela LC 147. Ou seja, as inscrições fiscais, ou cadastros fiscais, não têm relação ou condicionamento à licença, derrubando talvez o último argumento dos iluminados fiscalistas municipais.
A grande questão é que as regras expedidas pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), órgão, aliás, composto unicamente pelos fiscos, sequer aludem a isso. Em outras palavras, não autorizam os municípios a assim agir.
Trata-se de pura e simples “interpretação” dada por fiscos municipais à lei nacional, sem qualquer embasamento.
O fato é que as decisões do STJ, após mais de 10 anos de discussões, não garantem que os municípios deixem de impor a exigência ilegal, o que continuará a produzir inumeráveis ações judiciais e prejuízos incalculáveis.
Não há nos relatórios quantitativos do CGSN a identificação específica sobre a falta de alvará de funcionamento como motivo de exclusão do Simples Nacional, o que reforça a ausência de transparência no enfrentamento do problema.
Uma pista para entender a sua dimensão é que mais de 27,5 mil empresas foram excluídas de ofício pelos municípios pela ausência de regularização da inscrição municipal nos últimos três anos.
Essa quantidade quase equivale ao número de empresas no Simples no Acre, em Roraima e no Amapá. Ou seja, é imensa a necessidade de superar esse procedimento que permite aos municípios atomizar a aplicação da lei nacional segundo o seu particular entendimento, na contramão das diretrizes de uniformidade e simplicidade do regime tributário específico das micro e pequenas empresas.
A solução passa pelo próprio CGSN, que deve exercer o seu papel regulamentar, para orientar e vincular os municípios e evitar o acatamento de indeferimentos da opção e exclusões com base em exigência ilegal. Se assim não fizer continuará colaborando para o descumprimento da legislação do Simples.
Também decorre, de uma perspectiva mais abrangente, de ampliar a composição do CGSN para a participação de representantes dos contribuintes, ou das áreas governamentais responsáveis pelo tema do desenvolvimento econômico, o que tende a tornar mais rápida a solução de questões tão importantes como essa e assegurar mais transparência e aprofundamento do debate sobre questões relacionadas ao Simples.
O nível da operação dessa política pública tão relevante deve também ser aprimorado, criando-se novo modelo que diminua a prevalência de visões fiscalistas e de uma natural irmandade entre os vários entes da administração tributária, com todos os vieses negativos produzidos pelas conhecidas corporações de interesses.
FONTE: DIÁRIO DO COMÉRCIO